OS
TORMENTOS DO LINHO
Linhaça (semente do linho)
SABIA QUE:
O linho deve ser semeado na primeira semana de março, para ser fervaço, ou seja, grande e forte.
Semeia-se na lua nova, pelo Entrudo, para ter
muita fibra.
Na Madeira, o linho tem acompanhado o homem
desde a colonização. Numa época em que o isolamento era grande e as
possibilidades eram poucas, não havia grandes alternativas
na fabricação de têxteis. A ligação das populações à terra e a necessidade na confeção de vestuário e de outros utensílios diários importantes tornaram esta cultura num bem
essencial e inseparável ao homem.
Esta cultura tem preferência pelas terras planas, arenosas e enxutas,
por ser uma planta exigente em sais minerais e água. O cultivo deve ser rotativo.
O linho é uma planta que atinge um
metro de altura e as suas flores frágeis surgem para dar lugar às cápsulas que albergam sementes
para o futuro cultivo.
Entre São João e São Pedro é altura de apanhar o linho.
A colheita das hastes deve ser feita um pouco
antes do fruto secar, a fim de que as fibras não fiquem ásperas. Também não deve fazer-se cedo de mais
para que não sejam demasiado fracas.
A colheita é manual, arrancada pela raiz, a fim de se
aproveitar todo o comprimento dos caules, formando-se em mancheias, ou seja, pequenos molhos, com a parte da
semente toda para o mesmo lado.
O linho é depois sujeito a uma operação que se chama ripagem. Ao passarem por entre os dentes do ripanço, as cápsulas, bem fechadas e rígidas, separam-se do caule.
Seguidamente as cápsulas, depois de secas ao sol, são joeiradas para serem extraídas as sementes. Designadas por linhaça, as sementes serão utilizadas na plantação do ano seguinte.
A curtimenta é uma das operações mais importantes. Os molhos do linho são colocados dentro de água durante algum tempo. É uma operação
indispensável para se obter a separação dos elementos fibrosos dos lenhosos.
O período de tempo da curtimenta depende
dos locais em que se realiza, variando, normalmente, entre 6 a 8 dias.
Efetuada
a curtimenta, o linho é retirado da água e lavado para mover as sujidades que
entretanto se acumularam.
Após a passagem pela água, o linho é colocado a secar ao sol durante alguns dias (8 dias).
Depois de seco, é atado em molhos designados por maçadoiras, o equivalente a mais ou menos 4 mancheias.
Bem seco e estaladiço, o linho encontra-se preparado para a maçagem, ou seja, a separação das fibras lenhosas das fibras têxteis.
Para tornar as fibras mais dobráveis e flexíveis, deita-se água por cima durante alguns dias.
Antes da próxima fase, é fundamental o linho encontrar-se bem seco.
A gramadeira faz lembrar a faca de cortar bacalhau usada
nas tradicionais mercearias. O utensílio que chamaríamos faca tem o nome de gramilha e tem a função de triturar as cascas do linho, as
denominadas arestas. Neste sofrimento desprendem-se as primeiras fibras, as
mais curtas e menos resistentes: os tomentos.
Depois de gramar, o linho vai a tasquinhar.
A tasquinha ou espadela tem como objetivo retirar o
resto das arestas que ainda estão ligadas às fibras. Agora que cabe numa mão, o linho passa a ter o nome de estriga. É esta que vai submeter-se às fases seguintes: o sedar e o fiar.
A sedagem consiste na separação das fibras longas das mais curtas, conhecidas
por estopa.
O sedeiro tem a missão de selecionar as melhores fibras e penteá-las, ou seja, ordená-las paralelamente, ficando na mão apenas as mais compridas, finas e lisas.
Depois desta separação do linho em duas partes, inicia-se a fiação utilizando o fuso e a roca.
Torcendo e distorcendo um conjunto de fibras
entre os dedos, obtém-se um fio pronto para
utilização têxtil.
Mas nem tudo era mau: estes trabalhos davam
muitas vezes lugar a serões onde grupos numerosos se
reuniam, ora em casa de uns, ora em casa de outros, a preparar o linho.
As maçarocas do fio anteriormente enrolado no fuso são, através do sarilho, dispostas em meadas.
As meadas, antes de serem dobadas e tecidas, são objeto de um processo de branqueamento em fio
e em tecido. Esta operação, conhecida por “a barrela”, tem por fim libertar os fios de todas as impurezas.
Para isso utiliza-se água fervida, cinza e algumas
plantas (folhas de couve, flor de giesta, heras, etc.).
Logo após este tratamento, as meadas são lavadas.
Para que se tornem mais brancas, são colocadas ao sol a corar.
Depois de secar passa-se à fase da dobagem.
O fio das meadas tem de ser passado a novelos, quer se destine à urdidura da teia, quer à trama do tecido.
A dobadoira
facilita esta ação evitando que os fios se
enrolem entre si.
A etapa que se segue é a da urdidura.
O trabalho de urdir serve para calcular o número de fios que o tecido terá na sua largura assim como o seu comprimento.
Sairá da urdideira a teia, fios que serão colocados
longitudinalmente no tear. Esta tarefa é auxiliada pelo casal e pela espadilha.
O casal, construído em cana vieira, é dividido em 12 compartimentos, que irão receber um novelo cada um.
A espadilha é uma régua de madeira com 12 furos, o
mesmo número que os compartimentos do
casal.
Depois de urdido, o fio é montado no tear, um processo complexo e moroso.
O linho que irá constituir a trama, fios transversais, é colocado no caneleiro. Este serve para encher a canela que
será colocada na lançadeira.
Finalmente, tudo está preparado para tecer, um trabalho de habilidade
e saber da tecedeira.
Entrelaçando fios na transversal com
fios na longitudinal através do constante sobe e desce
dos liços e prumideiras, e o cá e lá da
lançadeira, obtemos por fim um
tecido tão trabalhoso quanto desejado.
Depois do tecido pronto, repete-se a operação "a barrela", porque o tecido não está suficientemente branco.
Durante muitos anos, até aos finais do século XIX, guardou-se o costume de semear e
trabalhar o linho em quantidade suficiente para dotar cada filha casadoira da
sua teia, o que correspondia a cerca de oito metros de tecido.
Hoje, apesar da sua excelente qualidade, a
produção de linho na Madeira é praticamente inexistente, restando apenas alguns vestígios daquilo que foi até então conhecido como "Os Tormentos do Linho".
Felizmente muitas destas peças em linho chegaram aos nossos dias e fazem
parte da indumentária dos grupos de folclore
que, remando contra o tempo, tentam manter vivas estas nossas tradições.
Texto: Prof. Jaime Andrade